Cheguei à
Casa de Infância em 1970, tinha quatro anos de idade e antes passei um ano no
Sampaio Viana, meu irmão fora deixado numa maternidade, pois era ainda de colo.
Da copa de 70 me lembro de pouco, passei o ano todo aborrecendo as freiras pra
que elas dessem conta de trazer o meu irmão.
Numa tarde, a madre Brasil me levou pra portaria, dizendo que
a partir daquela data ela iria poder dormir tranquila, na portaria estava o meu
irmãozinho, que nem idade tinha para estar lá, acabou virando o xodó das
freiras e das moças. Hoje eu sei que, se não fosse isso, ele teria sido adotado
por alguma família, provavelmente jamais nos veríamos de novo.
Mas, nesse primeiro ano conheci o Fernandinho, que tinha o
apelido de macaquinho e, em termos de natureza, era o oposto de mim.
De pequena estatura, tinha mesmo a habilidade de um primata,
subia na tela do pátio e pulava no lado dos mais velhos, provocava uma briga e
voltava rindo e antes que as moças se dessem conta do que havia acontecido.
Eu era retraído e contemplativo, sentava na beira da
alvenaria da piscina e ficava olhando os meninos na brincando na gaiola, logo
vinha o amigo com duas espadas feitas de jornal na mão e dizia:
_Essa é a sua, vamos tirar os piratas do nosso navio.
Cruzávamos as espadas e corríamos em direção à gaiola, digo, navio...
e assim começava mais uma guerra.
Por sermos
tão amigos, juntos, formávamos uma pessoa só, na hora das broncas os nomes
vinham sempre juntos, como se Nilton e Fernandinho fossem nome e sobrenome de
uma pessoa.
Nas horas de recreio, quando o recreio era na quadra, assim
que a Cenira se distraia, subíamos na seringueira e sentávamos em seus longos
galhos, olhando a Avenida Nazareth, ficávamos apreciando os carros que
passavam:
_O vermelho é meu, o azul é seu... se o carro fosse um DKV,
era sempre do outro.
Ficávamos ali por muito tempo, mas, assim que a moça percebia
a nossa ausência, vinha pro pé da árvore e passava a gritar o nome e sobrenome
e o castigo era certo.
Sempre dividíamos os castigos, numa tarde de inverno, pra que
a paz reinasse entre os meninos, a Margarida nos deixou de castigo naquela
salinha que ficava no canto esquerdo da quadra e trancou a porta, passamos pela
janela e descobrimos que dava no fundo do teatro, na parte embaixo do palco.
Todas as roupas, as fantasias e instrumentos usados nas peças
faziam daquele canto mal iluminado um país de sonho, depois disso, fazíamos
sempre bagunça a espera do castigo.
Além dos castigos, dividíamos as cintadas e é claro que, não
podia ser diferente, sempre que um via o outro chorando, desandava a rir.
Um dia a Olga resolveu nos repreender no lavatório, levantou
o chinelo e partiu em nossa direção, com largo espaço, cada um correu numa
direção, batia na parede e voltava na direção oposta, a Olga corria pra um lado
e não conseguia pegar e partia para outro.
Com o chinelo levantado, tentava alcançar os
meninos e nada...os outros meninos viam tudo da porta do dormitório e riam
muito. A Olga que era muito branca ficou vermelha e arfava de cansada, os
meninos continuavam a correr e a pular com o apoio da torcida, a Olga se deixou
cair no chão e gritou:
_Vão embora, suas pestes.
Na festa
de São João, fizeram do mastro da bandeira da quadra, o pau de sebo.
Se subir numa árvore já é difícil, imagine subir num ferro
besuntado, na ponta havia um enorme saco plástico cheio de brinquedo e milhares
de doces. Eu nem tentei, os adultos e as crianças se revessavam na tentativa,
perguntei pro Fernandinho se ele não ia tentar, ele deu de ombros e disse que
depois iria, sem pressa. Como tínhamos tíquetes pra gastar na festa, fomos
comer e brincar nas barracas, de quando em quando uma pessoa se arriscava a
subir e o mesmo resultado... nada.
Assim que se acabaram os tíquetes o Fernandinho me disse:
Disse isso e partiu na direção do pau de sebo, assim que
todos viram que ele iria tentar subir, fizeram um cordão humano em volta, eu
que já sabia o que ia acontecer, fiquei fora do cordão e rindo, por
antecipação.
O Fernandinho pegou um saco de estopa e amarrou-o na cintura,
com a habilidade que justificava o apelido, subiu num lance só, lá em cima
pegou o enorme saco e o segurou no ombro, com a outra mão soltou a estopa e a
jogou nas penas, pra que o sebo não a sujasse, escorregou.
Ao chegar ao chão, viu que todos o rodeavam, todo mundo
queria um pedaço da glória, correu, todos o seguiram em direção à lavanderia,
quando todos chegaram à porta de vidro, iniciou uma corrida na direção oposta,
rumo à rampa da portaria, na entrada da portaria jogou o saco no jardim e se
jogou, quando as crianças que o seguiam não o viram subiram a rampa que levava
ao refeitório, cá embaixo nos acabamos nas guloseimas e dividimos os
brinquedos.
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