segunda-feira, 29 de junho de 2015

O padre Zézinho

 E cá estou eu, me desculpando de novo...
Na postagem que escrevi sobre a imagem do sagrado coração, disse que se tratava de uma sala, o local que tinha o quadro e o relógio antigo, pois bem, não era uma sala e sim um hall, apenas uma passagem pra quem vinha da rampa da portaria em direção à cozinha e tinha acesso ao corredor dos pátios, à direita havia uma lance de escadas que subiam pro hall das moças e a que descia pra lavanderia e rouparia.
Claro que o leitor vai entender que as memórias são de uma criança e, sendo assim a lembrança geográfica é meio dúbia.
Esse hall era, na maioria das vezes, vazio. Tirando as ocasiões que tinham visitantes, nessas ocasiões, as mesas eram postas e virava um refeitório, entre os visitantes mais ilustres que almoçavam a comida das "vovozinhas", estava o padre Zezinho e, ainda que ele fosse já à época um recordista de venda, era uma simpatia de pessoa.
Me lembro dele tocando violão, depois do almoço, a cada nota esticava as cordas com os dedos, as unhas produziam um instante metálico peculiar, mania de que toca guitarra elétrica.
Quando estava acompanhado da Madre da Glória, que era austera, apenas conversava, quando estava com a Madre Dolores, a espanhola, ria muito e cantava com gosto. Quando ele ainda estava compondo "Maria de Nazaré", teve o acompanhamento também da Madre Brasil no coral, portanto, antes de a música ser cantada na igreja da Imaculada Conceição, os guris já a sabiam de cabo a rabo.
Mas, a música que me chamou atenção mesmo foi "A barca", os acordes dessa canção me marcaram mesmo. Estranhamente, ele só há gravou muitos anos mais tarde.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A primeira vez que eu vi o mar

Nasci na capital de São Paulo e a minha primeira infância foi passada num colégio de freiras no Ipiranga.
Não conhecia a leitura, mas conhecia o mar dos versos de Vicente de Carvalho, que a irmã Dolores recitava e das canções de Dorival Caymmi.
No mês de Janeiro, ficávamos acampados em Bertioga, numa escola municipal, no primeiro dia, mal o sol nascia, as freiras nos levaram para a praia, era, na época, uma praia vazia e antes de vermos o mar, já ouvíamos o seu barulho, com cinco anos eu tive medo.
Quando pisei na areia, vi aquela imensidão, lá longe o sol principiava a subida e parecia pequeno, diante da imensidão daquele azul.
Os outros meninos já estavam dentro d'água e eu olhava tudo com medo, seria redundância dizer que eu me sentia pequeno, já que, eu era realmente pequeno, uma onda veio me buscar, deixei que ela cobrisse os meus pés, estava gelada, me afastei.
No horizonte, o sol já subia metade do corpo, a minha pouca idade tentava entender, aquilo tudo era muito maior que os versos do poeta ou a música, a irmã Dolores chegou perto e pegou minha mão:
_Mar, esse é o Nilton... Nilton, esse é o mar.
Foi andando comigo pra dentro da água, quando a água já chegava à altura do seu joelho, parou e ficou esperando que eu soltasse a sua mão, soltei e fui ter com os outros guris.

Lá pro meio dia, não tinha ninguém que me tirasse da água.

As Freiras.



Criança costuma chamar de MADRE... que, no bom espanhol, quer lembrar MÃE.
No meu caso isso é verdadeiro, na ausência da minha, eu tive várias:

A madre Dolores Brasil era a mais querida entre todas, sorriso sincero e um jeito franco de viver, brincava e ensinava, beijava e pegava no colo, brincava e se impunha. Naquele tempo de ditadura, que os adultos tinham um olhar de medo, ela era forte, como se o seu sobrenome fosse sua força.
Só vi a madre Brasil chorar uma vez, foi naquela final do campeonato brasileiro de 1976, mesmo vendo em câmera lenta, a confirmação do gol do Inter gritava que o Corinthians havia sido roubado... Uma semanas antes, ela havia levado os meninos pra esperar os heróis, que voltavam do Maracanã, passar no carro de bombeiros na Avenida Nazaré.
A madre Lodir era vietnamita, além de falar muito pouco do português era arredia e dava impressão de uma profunda melancolia. As pessoas diziam que isso se devia aos traumas da guerra e, (aqui tinha uma grande contradição), se para muitos, a inabilidade social lhe trazia o silêncio, em silêncio, ela passava o dia cuidando do jardim e da enorme cachorra que ficava na garagem e atendia pelo nome de Kirikiki. Da raça pastor alemão, a cadela só atendia a ela.
Tinha uma gruta no jardim, quem saísse do saguão da portaria podia visualiza-la, logo que entrava na passarela que levava ao outro prédio, lá pras 18:00 horas (religiosamente) a madre Lodir ia acender a luz que iluminava a santa, a gruta passava a noite num tom azul.

As freiras 2


A madre enfermeira era francesa, bem bonachona e sorria um riso grave e complacente, na hora de aplicar uma injeção fazia um biquinho e soltava um sshhhhhh... alguém desavisado pensaria que ela estava exigindo silêncio, mas não, o chiado era um cacoete mesmo.

Foi enfermeira na segunda guerra, na mesa do consultório havia uma foto dela jovem, vestida de habito e chutando uma bola, num acampamento aliado em Monte Castelo. Contava historias ótimas de sua terra e mesmo, quando narrava sobre a guerra, nunca carregava nas tintas feito uma pessoa que sabe que todo pesadelo acaba.
Não foi só a grande fé que tenho na humanidade que eu herdei dessa senhora, ela me deu uma edição do "O pequeno príncipe", dai em diante, meus escritores me iluminaram.
A madre Maria Mourão era mineira, mulata e muito jovem e eu gostava muito dela, em algumas ocasiões, quando eu aprontava uma boa, as pessoas recorriam a ela, ela vinha com ares graves e me passava um sermão, longe dos olhos das outras freiras me punha no colo e dizia que não tinha sido nada e me aconselhava a viver bem.
Varias vezes, em épocas de festas, me levava pra casa de seus familiares em Minas, quando passeávamos pela cidade e ela não usava o habito, dizia pros moradores que era minha mãe.
A madre Denise, era na verdade uma noviça tinha uns vinte anos.
Era a catequizadora, tinha um jeito especial de ensinar as coisas da bíblia, sem impor, contava as passagens sentadas, com as pernas cruzadas e o violão no colo, muitas vezes ela se empolgava e a música sacra virava bossa nova, não fosse o seu habito marrom, ela parecia mais uma hippie.
Fazia faculdade e era também a psicóloga do colégio, quando ia fazer uma avaliação e o menino se mostrava arredio, me mandava chamar, eu chegava ao teatro, à madre no canto com a prancheta na mão, geralmente eu pegava uma daquelas cadeiras de marfinite, virava ela com os pés pra cima e a cadeira virava um carrinho, punha o guri sentado nela e empurrava, bastavam uns segundo e pronto... um sorriso e o menino começava a brincar, sentada na sua cadeira a madre podia analisar o perfil dele, por esse serviço eu só cobrava um pacote de bolacha recheada.
A madre Denise foi a pessoa que disse que eu seria professor.
_Professor de Historia, irmã ????
_Duvido do jeito que você é atentado, é bem capaz de ser de Educação Física.
AH, boca abençoada.

Meu melhor amigo. (primeira parte)

Cheguei à Casa de Infância em 1970, tinha quatro anos de idade e antes passei um ano no Sampaio Viana, meu irmão fora deixado numa maternidade, pois era ainda de colo. Da copa de 70 me lembro de pouco, passei o ano todo aborrecendo as freiras pra que elas dessem conta de trazer o meu irmão.
Numa tarde, a madre Brasil me levou pra portaria, dizendo que a partir daquela data ela iria poder dormir tranquila, na portaria estava o meu irmãozinho, que nem idade tinha para estar lá, acabou virando o xodó das freiras e das moças. Hoje eu sei que, se não fosse isso, ele teria sido adotado por alguma família, provavelmente jamais nos veríamos de novo.
Mas, nesse primeiro ano conheci o Fernandinho, que tinha o apelido de macaquinho e, em termos de natureza, era o oposto de mim.
De pequena estatura, tinha mesmo a habilidade de um primata, subia na tela do pátio e pulava no lado dos mais velhos, provocava uma briga e voltava rindo e antes que as moças se dessem conta do que havia acontecido.
Eu era retraído e contemplativo, sentava na beira da alvenaria da piscina e ficava olhando os meninos na brincando na gaiola, logo vinha o amigo com duas espadas feitas de jornal na mão e dizia:
_Essa é a sua, vamos tirar os piratas do nosso navio.
Cruzávamos as espadas e corríamos em direção à gaiola, digo, navio... e assim começava mais uma guerra.
Por sermos tão amigos, juntos, formávamos uma pessoa só, na hora das broncas os nomes vinham sempre juntos, como se Nilton e Fernandinho fossem nome e sobrenome de uma pessoa.
Nas horas de recreio, quando o recreio era na quadra, assim que a Cenira se distraia, subíamos na seringueira e sentávamos em seus longos galhos, olhando a Avenida Nazareth, ficávamos apreciando os carros que passavam:
_O vermelho é meu, o azul é seu... se o carro fosse um DKV, era sempre do outro.
Ficávamos ali por muito tempo, mas, assim que a moça percebia a nossa ausência, vinha pro pé da árvore e passava a gritar o nome e sobrenome e o castigo era certo.
Sempre dividíamos os castigos, numa tarde de inverno, pra que a paz reinasse entre os meninos, a Margarida nos deixou de castigo naquela salinha que ficava no canto esquerdo da quadra e trancou a porta, passamos pela janela e descobrimos que dava no fundo do teatro, na parte embaixo do palco.
Todas as roupas, as fantasias e instrumentos usados nas peças faziam daquele canto mal iluminado um país de sonho, depois disso, fazíamos sempre bagunça a espera do castigo.
Além dos castigos, dividíamos as cintadas e é claro que, não podia ser diferente, sempre que um via o outro chorando, desandava a rir.
Um dia a Olga resolveu nos repreender no lavatório, levantou o chinelo e partiu em nossa direção, com largo espaço, cada um correu numa direção, batia na parede e voltava na direção oposta, a Olga corria pra um lado e não conseguia pegar e partia para outro. Com o chinelo levantado, tentava alcançar os meninos e nada...os outros meninos viam tudo da porta do dormitório e riam muito. A Olga que era muito branca ficou vermelha e arfava de cansada, os meninos continuavam a correr e a pular com o apoio da torcida, a Olga se deixou cair no chão e gritou:
_Vão embora, suas pestes.
Na festa de São João, fizeram do mastro da bandeira da quadra, o pau de sebo.
Se subir numa árvore já é difícil, imagine subir num ferro besuntado, na ponta havia um enorme saco plástico cheio de brinquedo e milhares de doces. Eu nem tentei, os adultos e as crianças se revessavam na tentativa, perguntei pro Fernandinho se ele não ia tentar, ele deu de ombros e disse que depois iria, sem pressa. Como tínhamos tíquetes pra gastar na festa, fomos comer e brincar nas barracas, de quando em quando uma pessoa se arriscava a subir e o mesmo resultado... nada.
Assim que se acabaram os tíquetes o Fernandinho me disse:
_Vá e fique na gruta.
Disse isso e partiu na direção do pau de sebo, assim que todos viram que ele iria tentar subir, fizeram um cordão humano em volta, eu que já sabia o que ia acontecer, fiquei fora do cordão e rindo, por antecipação.
O Fernandinho pegou um saco de estopa e amarrou-o na cintura, com a habilidade que justificava o apelido, subiu num lance só, lá em cima pegou o enorme saco e o segurou no ombro, com a outra mão soltou a estopa e a jogou nas penas, pra que o sebo não a sujasse, escorregou.

Ao chegar ao chão, viu que todos o rodeavam, todo mundo queria um pedaço da glória, correu, todos o seguiram em direção à lavanderia, quando todos chegaram à porta de vidro, iniciou uma corrida na direção oposta, rumo à rampa da portaria, na entrada da portaria jogou o saco no jardim e se jogou, quando as crianças que o seguiam não o viram subiram a rampa que levava ao refeitório, cá embaixo nos acabamos nas guloseimas e dividimos os brinquedos.