quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Meu melhor amigo (parte 2)


Uma grande amizade começa sempre sem ser forçada, ela é imposta pela ocasião e vai crescendo, pra nunca mais morrer.
Já havia completado dois anos, desde a tragédia que se abatera na minha família, havia sido transferido do Instituto Sampaio Viana pra essa nova casa, com o tempo, peguei o habito de chamar orfanato de casa e, convenientemente, esse lar tinha o nome de Casa da Infância.
Era 1970 e eu completaria quatro anos de vida, a vida já tinha me mostrado o pior das tempestades e eu havíamos sobrevivido a ela, no começo eu tinha me debatido, deixado à tristeza ganhar e vi que isso me afogava mais e mais.
  Num determinado ponto, como um naufrago, submergi a superfície, respirei e senti o ar de lá e gostei, resolvi boiar na água e deixar a correnteza me levar.
  Enquanto esperava na portaria as pessoas resolverem a papelada da internação, uma freira passou no corredor e me viu, ajoelhou-se na minha frente e percebendo a minha aflição, sem mais nem menos, abraçou-me, levantando-me da cadeira.
  Lá em cima, suspenso no colo dela, como quem já havia se esquecido do carinho, senti a paz que ha muito tempo não sentira mais, encostei a cabeça do ombro dela e chorei... Agora, com 50 anos, lembro o momento e as lagrimas voltaram.
  Momentos depois, já afeito do momento, olho pro grande saguão e vejo a claridade do ambiente, muito diferente do lugar de onde eu vinha, no escritório, a madre da Glória ainda discutia a minha internação, a madre Brasil havia se sentado ao meu lado e segurava a minha mão, a manhã jogava um sol no meio do saguão, através da porta de vidros.
  Essa mesma porta é aberta pela moça da recepção, aprecem duas figuras, uma senhora com jeito de sofrida e seu filho que, sabendo que ia ficar só, chorava.
  A madre Brasil levantou-se, mas, não largou a minha mão e fomos assim, encontrar os recém-chegados, ainda segurando a minha mão, ajoelhou-se diante do guri, que era mais baixo que eu, pôs-se a acalma-lo e disse que ele teria vários amigos, apontou pra mim e disse que eu seria o primeiro. Olhamo-nos e eu estendi-lhe a mão, ele retribuiu, ainda soluçava.
  Dai pra frente, quem via um, procurava o outro... a gente parafraseava os "Originais do Samba “e nos denominava-nos de a corda e a caçamba, as freiras e as moças preferiam nos chamar de dupla diabólica.
  Num passeio a Serra da Mantiqueira, subimos numa arvore e nos perdemos do resto do grupo, era noite fechada, quando os bombeiros nos acharam, ela estranharam a nossa tranquilidade diante do perigo, acabou que, passamos a noite no batalhão e voltamos no dia seguinte como heróis.
  Diferentes em tudo, eu era introspectivo e ele era solto e é claro que a habilidade no esporte veio primeiro pra ele, o Fernandinho era um malabarista da bola, isso lhe dava o direito de escolher o time, a primeira escolha era sempre eu.
  Fomos fazer um jogo de amizade, que em toda época do aniversário do colégio Catarina Labor é, a Casa da Infância era o convidado.
E era sempre a mesma história, tendo o colégio anfitrião meninos mais velha, a derrota era certa sempre e participávamos do jogo por participar e íamos pro resto da festa, ou seja, muita comida e doces.
  Nessa ocasião a coisa mudou, quando fazíamos as filas pra os comprimentos habituais, um dos meninos do Catarina passou do lado do Fernandinho e sorriu da pequena estatura dele, ao fazê-lo, passou a mão em sua cabeça, como se afagasse um bebê.
  Ah, o macaquinho virou o cão na quadra, o menino grande tomou a bola entre as pernas seis vezes seguidas, a cada uma delas a torcida das meninas gritava Olé. Não restou alternativa, a não ser sair de quadra chorando, nesse instante já se configurava a nossa vitória, a madre Dolores, constrangida, queria consertar as coisas, já que o Fernandinho continuava arrasador, fazia gols e olhava desafiador pro banco de reservas. Tirou o Sebastião do gol e deu a camisa pra ele e aí ficou pior, o macaquinho fechou o gol.

Era uma aliança selada, sem protagonismos, dois guris tentando ser felizes num mundo governado por pessoas tristes, aprendi as letras primeiro e as ensinei pra ele, sempre que eu queria calma pra ler, vinha ele brincar, quando eu conseguia ler, tinha que contar pra ele a minha impressão e, virei contador de histórias.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Coisas de criança.


Dia desses, pesquisando na internet descobri que a energia elétrica que era distribuída nas casas nos anos 70, era muito maior que a carga de hoje.
Isso me remeteu aos tempos da Casa de Infância, uma brincadeira que o avô de hoje, torce pra que nenhuma criança faça.
O pátio do São Pedro era o penúltimo e correspondia à terceira - série do primário e então, me vem à certeza de que estamos no ano de 1975.

Em breve, vamos ao último ano, no pátio do São José e aos cuidados da Margarida, mas estamos aos cuidados da Olga, que era loura, quero quer que se tratasse de uma mulher bonita, mas, memória de criança confunde beleza com caráter, então, se fosse o caso, a beleza física dela jamais suplantaria a ruindade da alma dela e, a Olga estava mais pra bruxa que pra princesa.
Apos a janta, recolhíamos os pratos e talheres, o carrinho de metal os transportava de volta para a cozinha, já estávamos vestidos nos pijamas.
No fundo do refeitório, depois do limite das mesas, havia um espaço, uma estante chumbada à parede esquerda, numa altura de 1 metro e meio, acondicionava uma televisão de 14 polegadas.
No chão, entre a parede do fundo e as mesas, era o justo local onde quatro fileiras de meninos se sentavam voltados pra televisão, primeiro a novela das 18h00min horas e em seguida vinha à tv Record, os filmes da "Sessão Bang Bang.”
Muitas vezes, as moças aproveitavam que estávamos entretidos com a programação e saíam pra conversar fora do refeitório.
Sentados no chão, os meninos se davam as mãos, formando uma corrente humana, nas costas do último meninos do canto havia uma tomada desocupada, esse último menino enfiava um clipe retorcido com duas pontas, nos dois buracos...
Choque geral e depois as risadas.