quinta-feira, 15 de março de 2018

O Agostinho dos Santos.

Cheguei à Casa da Infância do Menino Jesus com dois anos de idade, uma série de eventos, circunstancias e atitudes erradas me levaram e ao meu irmão, à condição de órfãos.
Essas coisas não são culpa de ninguém, não me doeu, me adaptei à nova situação e conheci um mundo novo.
Conforme o tempo passava, a memória anterior a isso foi se embaralhando e foi ganhando status de sonho ou coisa que se almeja.
O gosto pela música, eu já trazia comigo e a vivencia num orfanato que respirava isso, fez com que esse gosto aumentasse, ao ponto de as minhas memórias serem pautadas pela música, num sentido mais profundo, se tu me disser de determinada música, te digo o ano exato dela e o que acontecia na história.
Então, eu sabia o gosto musical de todos os funcionários e traçava o perfil psicológico de todos, pelo gosto musical.
Em 1971, quando eu estava no pátio do Anjo da Guarda, a televisão anunciou a morte de um artista consagrado, num acidente aéreo em terras francesas, morreu Agostinho dos Santos e, estranhamente, isso me abalou.
Era raro ouvir a voz desse cantor, ninguém do colégio era fã dele e sua música não era tocada pela mídia da época.
Estranhamente, as poucas vezes que eu ouvia-lhe a voz, eu fechava os olhos e me via voando alto com os braços abertos, sem que nada me segurasse.
A voz de veludo desse cantor me era muito familiar e, muitas vezes me levava às lágrimas, mesmo quando o repertório era mais feliz, no meu gosto musical coloquei o cantor numa nuvem que não havia mais ninguém junto...mistério.
Bom, qualquer encanto, por mais pesado que seja, um dia se acaba e, o rio vai sempre vai voltar para o seu curso.
Coisa de dez anos, mais ou menos, reencontrei a minha família, pelo menos o que sobrou dela e aquela parte da memória que havia ido para o limbo, se dissipou.
Acabou que eu descobri a familiaridade do cantor para a minha vida.
Esse, Agostinho dos Santos, era amigo de infância do meu pai e meu tio, sua mãe e minha avó eram vizinhas de porta, lá no Bexiga e aquela sensação de voar era muito simples:
Quando o trio de amigos brincavam, tinham por hábito, me colocar sentado no ombro e correr atrás dos outros.


sábado, 20 de janeiro de 2018

Os funcionários.

Essa postagem poderia ser intitulada de "As funcionárias", já que, só haviam dois homens no prédios, um era o seu Paulo, que dirigia a Kombi e, só em ocasiões específicas era visto.
O outro era o baiano Juventino, mas esse merece um capítulo especial, portanto, vamos às moças.
Começando pelas queridas vovó e vovózinha, que trabalhavam na cozinha, me lembro que a mais nova, que era a mais alta, nem tinha idade para ser avó e se chamava Helena.
A outra, a mais baixa, era de fato avó e se chamava Maria.Essa tinha a estatura de uma criança de 10 anos e era muito fofa.
As duas eram escuras e os dorsos que elas usavam na cabeça, as deixavam parecidas com a tia Anastácia, do "Sitio do Pica-Pau amarelo.
Opa, o leitor deve estar estranhando o fato de eu saber dessas coisas, já disse que fiquei muito de castigo, um dos castigos era lavar a louça da janta.
Descendo a escada do hall da cozinha, se chegava à caldeira, onde era proibida a entrada de crianças, mas, ao lado havia a lavanderia, onde a Rose, uma pernambucana de Jaboatão, que tinha olhos verdes e sardas no rosto trabalhava.Lembro que ela era muito jovem e a sua voz era de criança e nas horas de folga, lia romances.
A Benedita, num outro comodo, passava roupas, essa era do interior de São Paulo, tinha mais de 40 e se vestia com roupas de jovens, levava as unhas e os lábios sempre pintados num vermelho forte.
Ouvia em seu rádio de válvulas, programas sertanejos e sabia cantar todas as músicas, e ainda que ela não fosse muito popular entre os meninos, eu gostava muito dela.
A dona Augusta dobrava e costurava as roupas e sempre estava com frio, feito aquela senhora do desenho do Tom e Jerry, que usava meia grossa e chinelos.Sempre quando me lembro da dona Augusta, me vem a lembrança de Clementina de Jesus, a voz era a mesma, mas o olhar da dona Augusta era implacável, a voz dela gelava o coração e assim mesmo, a maior parte dos meninos amava essa mulher.
E eu???ela me chamava de neto.
Em 1975, no mês de Setembro, ocorreu um eclipse solar e, em São Paulo foi precedido de um temporal medonho.
Pra meu azar, eu estava de castigo, ajudando a dona Augusta.
Antes de escurecer o tempo ela já tinha falado de fim de mundo, os pedras de granizo se chocavam forte contra os vidros da janela, a dona Augusta ria, sua risada de quilombola, os raios iluminavam a escuridão e eram só 10:00 horas da manhã, a energia acabou, ela acendeu uma vela e a coisa piorou...
Levei uns 3 dias pra me recuperar do medo, mas não deixei de querê-la bem, por via das dúvidas, passei a evitá-la em dias de chuva.