quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O silêncio velado.


Quando se acordava, bem cedo, ia-se ao lavatório e, ainda de pijamas, se escovava os dentes e se podia usar o banheiro, depois trocava-se a roupa e arrumava-se a cama.
Todo dia se seguia um ritual com horários marcados e seguidos à risca, uma rotina quase militar e, com efeito, militares mandavam na nação.
Nas paredes azulejadas do lavatório, as freiras costumavam colar figuras de pessoas ilustres e de grande relevância para a humanidade, por exemplo: ...os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, isso servia para atualizar os meninos, com relação ao mundo e, acabava mostrando que o mandatário do Brasil sempre exibia uma cara amarrada, enquanto o gringo sempre sorria.
Em 1974 a televisão mostrou, muito rapidamente, algo que acontecia em Portugal, algo relacionado com briga armada e cravos, uma reportagem só e não mais se falou no assunto, aquilo me deixou muito curioso e fui querer saber mais a respeito.
A madre Brasil, logo que a pergunta lhe bateu nos ouvidos, virou o rosto, assobiou uma cançãozinha e saiu, a Margarida que, estava no balcão da portaria, me mandou sair e por pouco não fez o sinal da cruz, a dona Augusta baixou o som do Vicente Celestino, velou grave a voz e, olhando em volta, sussurrou:
_Menino, deixa essas coisa do guverno em banho Maria, não cutuque a onça.
Entendi então que era um assunto proibido, nesses casos só havia uma solução, procurar uma patente superior.
O padre Zezinho almoçava todos os dias na salinha dos professores, bem ao lado da cozinha.
A Vovozinha fez-lhe o prato e me entregou, levei-o à mesa do padre e fiquei ao lado.
Assim que ele enfiou a primeira garfada na boca, tasquei a pergunta:
_Padre, o que é essa revolução dos cravos?
Engasgou, tossiu e pediu o copo com água, quando a vermelhidão passou, fez um relatório da história de Portugal com requintes de detalhes, desde a pré-história.
Boa alma, o padre Zezinho.

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